Mariana Ribeiro
Nos últimos anos, houve um aumento significativo nos ataques relacionados a escolas no Brasil, e o Ministério da Educação documentou que a mídia social está contribuindo para a escalada da violência, especialmente nos espaços de socialização digital que fazem parte da cultura dos jogadores, como Discord e chans.
Aqui, compartilhamos três descobertas importantes desse relatório crítico:
1– A subcultura da True Crime Community (TCC) mudou de entusiastas de crimes reais para extremistas que celebram massacres em escolas.
O TCC é uma subcultura on-line encontrada em plataformas sociais como Twitter, Instagram, TikTok e Discord. Ele foi criado por criadores de conteúdo e indivíduos interessados em crimes da vida real, mas a partir de 2021, o TCC brasileiro viu um influxo de membros extremistas glorificando assassinos, atiradores de escola e supremacistas brancos. Esse influxo fez com que o TCC passasse a celebrar massacres e a idolatrar seus autores, incluindo eventos como Columbine (EUA, 1999), Christchurch (Nova Zelândia, 2019) e Aracruz (Brasil, 2022). O relatório conclui que, como os ataques a escolas geralmente são “crimes imitadores”, o elogio da TCC aos ataques a escolas aumentou o efeito cascata mortal de cada evento. Essa glorificação da violência segue o manual internacional do neonazismo e dos recrutadores de extremismo. A jornalista investigativa Sofia Schurig documentou publicações do TCC com conteúdo semelhante em inglês, espanhol, russo e português do Brasil, todas relacionadas ao neonazismo, ao neofascismo e ao extremismo radical. Em 2023, após ampla cobertura da mídia sobre um ataque a uma escola na Vila Sônia, surgiram várias publicações do TCC incentivando outros massacres. O conteúdo violento glorificava o discurso de ódio, a misoginia, a necrofilia e o abuso sexual e físico, especialmente contra animais, mulheres, não brancos e pessoas com deficiência.
2 – O Discord desempenha um papel fundamental: A polícia encontrou conexões específicas entre servidores organizados no Discord e ataques a escolas: os ataques em Barreiras (2022) e Cambé (2023) foram ambos organizados nessa plataforma. O autor do massacre de Aracruz (2022) fazia parte de uma comunidade do Discord e, nos dias que antecederam o ataque, anunciou publicamente suas intenções violentas e até distribuiu convites para servidores do Discord no Twitter. O Discord apresenta desafios para o monitoramento e as investigações devido à sua moderação ineficaz. Além disso, é difícil mapear servidores no Discord, e não há um banco de dados de servidores abrangente para consulta. Os usuários se identificam com apelidos, e os nomes de usuário podem ser alterados a qualquer momento. Os servidores podem ser excluídos total ou parcialmente, e a plataforma não armazena dados, o que resulta na perda de informações históricas.
Desde a onda de violência escolar no Brasil, o Discord estabeleceu uma presença no Brasil e introduziu uma ferramenta de monitoramento para as famílias. No entanto, tem sido tolerante com os usuários que violam sua política de uso que proíbe o discurso de ódio. 3 – Chans e sua importância: Imageboards, comumente conhecidos como “chans”, são fóruns da Internet de interface simples criados para o compartilhamento anônimo de textos e imagens. Os chans são divididos em quadros para discussão de vários tópicos, incluindo videogames, anime, política, música e filmes. O chan mais famoso é o 4chan, conhecido por moldar a cultura da Internet, criar sua linguagem exclusiva conhecida como “chanspeak” e facilitar ações políticas nas redes sociais. Foi no 4chan que o perfil conhecido como “Q”, que alega ter acesso de alto nível a informações confidenciais do governo dos EUA, surgiu e disseminou teorias da conspiração, dando origem ao movimento internacional QAnon. Como todas as postagens são feitas anonimamente, os usuários geralmente se autodenominam “anons” ou “anonymous”. (No Brasil, os usuários de chan se referem a si mesmos como “annons”, embora as pessoas de fora geralmente os conheçam como “channers”). Com os benefícios do anonimato e o desafio do rastreamento, os usuários de chan se sentem seguros ao cometer crimes. Tradicionalmente, a maioria dos chans extremistas era hospedada na dark web. O conteúdo e o discurso não moderados da mídia social se assemelham muito aos dos chans, mas a escala de usuários em plataformas que não são chans é incomparavelmente maior e os mecanismos de recomendação algorítmica facilitam a disseminação rápida e exponencial desse conteúdo.
A influência predominante sobre os jovens e os caminhos a seguir
O relatório revela que os adolescentes em idade escolar se envolvem predominantemente nesses espaços de socialização, destacando uma oportunidade de capacitação para profissionais de escolas em contato direto com esses grupos. Esse treinamento deve enfatizar a interação dos jovens com as plataformas digitais, promovendo a compreensão da cultura digital e dos jogadores, juntamente com a importância da cautela em relação ao conteúdo que promove a cultura do ódio e da violência. Embora as ferramentas de controle dos pais e os recursos de verificação de origem capacitem os usuários da plataforma, eles não são uma solução imediata. Os usuários não familiarizados com esses espaços enfrentam obstáculos devido à pouca informação e à falta de conhecimento sobre a mídia. Os pais e responsáveis raramente conhecem ou usam esses recursos. Mudanças estruturais eficientes, conforme sugerido no relatório, dependem da regulamentação das mídias sociais. Isso envolve a definição das responsabilidades dos provedores, relatórios de riscos e medidas de mitigação. As plataformas não cooperativas que negligenciam a remoção de conteúdo ilícito e violam os padrões de proteção infantil devem ser responsabilizadas. As plataformas devem estabelecer mecanismos de denúncia, incentivando os usuários a denunciar irregularidades, e investir significativamente em educação para a mídia. Os esforços de colaboração entre os níveis governamentais, a comunidade em geral e a sociedade civil são essenciais para um trabalho intersetorial e interinstitucional eficaz.